Previsão de dano no forjamento a frio e a morno de aços

Os processos de forjamento podem ser classificados em função da temperatura em que são executados, a frio, a quente ou a morno. O forjamento a frio é aquele no qual o tarugo original a ser forjado não é submetido a nenhum processo de aquecimento antes da deformação plástica. Caracteriza-se por permitir a obtenção de peças com altas precisões dimensionais e excelente acabamento superficial, geralmente emprega matrizes de grande complexidade e exige o uso de prensas de maior capacidade quando comparado aos outros processos. A limitação do processo decorre do fato de que os metais à temperatura ambiente e próximo a ela apresentarem menor dutilidade e maior resistência à deformação. No forjamento a quente o tarugo é normalmente aquecido a uma temperatura bastante acima da temperatura de recristalização do metal, em que grandes alterações microestruturais podem ocorrer antes, durante ou após a deformação. Devido ao aquecimento, que provoca a dilação do material e a forte oxidação superficial, o forjamento a quente não permite a obtenção de peças com altas tolerâncias. Por outro lado, as matrizes são normalmente mais simples e as prensas podem ter menor capacidade do que nos outros processos. O forjamento a morno é realizado em uma temperatura intermediária entre a temperatura ambiente e aquelas utilizadas no forjamento a quente. O processo reúne as vantagens dos processos a frio e a morno. É, entretanto, necessário um conhecimento preciso da influência da temperatura sobre a resistência do material de modo a serem evitadas zonas de fragilidade. Nesse sentido, foi desenvolvido no Laboratório de Transformação Mecânica (LdTM) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) um projeto de pesquisa com o objetivo de realização de um estudo de natureza teórico-experimental da deformação a frio e a morno dos aços AISI 5115 (16MnCr5) e AISI 1050, visando contribuir para o entendimento dos fenômenos que levam à falha do material durante o processo. Por falha se entende o surgimento de trincas devido à imposição de deformação plástica além do limite de dutilidade do material. As trincas podem ser externas ou internas e a deformação na qual elas têm início pode ser prevista utilizando-se algum critério de fratura dútil. Os critérios de fratura dútil aplicados a processos de deformação plástica baseiam-se no estabelecimento de uma função matemática que depende simultaneamente dos valores de tensão e deformação e que traduz o valor do dano acumulado. Nestas condições o início da fratura tem lugar quando o dano acumulado atinge um valor limite denominado “dano crítico” [1-4].

O projeto foi desenvolvido em duas etapas. Inicialmente foram executados ensaios destinados ao levantamento das curvas de escoamento dos materiais a temperatura ambiente a cada 50ºC até a temperatura de 1000ºC, que representa o topo da faixa de trabalho a morno. Os dados obtidos foram utilizados para alimentar os sistemas de simulação numérica com os quais será realizada a calibração do dano crítico. A etapa seguinte foi a realização de ensaios de deformabilidade.

Os ensaios de deformabilidade têm por objetivo determinar o nível de deformação que é possível atingir durante as operações de deformação plástica sem que ocorram fenômenos como a nucleação e propagação de trincas. Então, realizar a caracterização da deformabilidade do material consiste em determinar o valor do “dano crítico”. A determinação do dano crítico é realizada por meio de uma técnica de calibração inversa. Inicialmente corpos de prova são submetidos a diferentes graus de deformação até que seja detectado o surgimento de trincas. Então, é realizada a simulação numérica para as mesmas condições, sendo calculado o valor do dano segundo algum critério de fratura. A simulação dos ensaios foi realizada com o programa IFORM 2D, sendo calculado o dano crítico para os critérios de fratura de Cockcroft-Latham e de Oyane. Esses dois critérios foram escolhidos por serem, segundo diversos artigos, os que melhor conseguem prever a ocorrência de trincas em operações de conformação mecânica de peças massivas. Nos ensaios foram utilizadas quatro diferentes geometrias de corpos de prova com o objetivo de gerar diferentes caminhos de deformação e, assim, produzir com pouca deformação externa total condições localizadas que levassem à nucleação trincas e fissuras. As geometrias utilizadas são mostradas na Figura 1.

Nos ensaios realizados a temperatura ambiente os corpos de prova foram comprimidos em incrementos de 1 em 1 mm, sendo que foram utilizados calços para garantir a precisão dos incrementos de deformação. Após a aplicação de cada incremento de deformação os corpos de prova foram examinados por meio de ensaio de líquidos penetrantes, sob aumento de 50 vezes, visando determinar a existência de trincas na superfície lateral dos mesmos. Nos ensaios realizados entre 100oC e 400oC procedimento semelhante foi adotado com a diferença de que, neste caso, os incrementos de deformação foram de 2 em 2 mm e após cada deformação os corpos de prova eram resfriados em água, limpos, examinados e reaquecidos para uma nova etapa de deformação. Acima de 400oC manteve-se os incrementos de deformação em 2mm, mas o exame dos corpos de prova tornou-se bastante mais complicado devido a oxidação. Após cada etapa de deformação os mesmos eram resfriados em água, jateados com areia, examinados e reaquecidos para uma nova etapa de deformação. Este procedimento de limpeza (jateamento com areia) pode ter mascarado alguns resultados dificultando a eventual visualização de trincas e fissuras. Da mesma forma, principalmente nas temperaturas mais elevadas, os ciclos sucessivos de aquecimento-deformação-resfriamento podem ter alterado significativamente as características de deformabilidade do material. Acima de 900ºC a determinação de trincas e fissuras pelo método descrito tornou-se impossível, justamente devido ao problema da oxidação. Nas simulações através do programa IFORM foram utilizados os critérios de Cockcroft e Latham [5] e Oyane [6].

A Figura 2 mostra a evolução do dano crítico (média ente C1 e C2) simulado para os corpos de prova do tipo tubo cônico, em função da temperatura e da deformação efetiva para o aço 16MnCr5. Nessa figura os pontos no fim de cada curva significam a fratura experimental calibrada. Esses valores podem ser introduzidos como dados em programas de simulação capazes de calcularem o dano acumulado permitindo que seja feita uma previsão do início da formação de trincas durante o processo.

Referências


[1] Brito, A. M. G.. Análise Teórico-Experimental dos Processos de Expansão, Redução e Inversão de Extremidades de Tubos de Parede Fina em Matriz. Tese de Doutorado, PPGE3M/UFRGS, 2006.
[2] Gouveia, B. P. P. A.; Rodrigues, J. M. C.; Martins, P. A. F.. Fracture Predicting in Bulk Metal Forming. International Journal of Mechanical Sciences, v. 38, n.4, p. 361-372, abril, 1996.
[3] Landre, J.; Pertence, P. R.; Cetlin, P. R.; Rodrigues, J. M. C.; Martins, P. A. F.. On the Utilisation of Ductile Fracture Criteria in Cold Forging. Finite Elements in Analysis and Design, v. 39, n. 3, p. 175-186, janeiro, 2003.
[4] Wierzbicki, T.; Bao, Y.; Lee, Y.; Bai, Y.. Calibration and Evaluation of Seven Fracture Models. International Journal of Mechanical Sciences, v. 47, n.4/5, p. 719-743, abril/maio 2005.
[5] Cockcroft, M. G.; Latham, D. J.. Ductility and the Workability of Metals. Journal of the  Institute of Metals, v. 96, p. 33-39, 1968.
[6] Oyane, M.; Sato, T.; Okimoto, K.; Shima, S.. Criteria  for Ductile Fracture and Their Applications. Journal of Mechanical Working Technology, v. 4, n. 1, p. 65-81, abril, 1980.